“Migrar é uma forma de resistir”: foi assim que a professora Mary Castro deu início ao debate sobre migração/imigração. Impressionada pelos filmes La traversée, de Elizabeth Leuvrey, e Migrantes, de Beto Novaes, Cleisson Vidal e Francisco Alves. Ainda no palco para o debate, o assessor de projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese), José Carlos Zanetti, o diretor Beto Novaes e a antropóloga Goli Guerreiro, como mediadora.
Novaes e Zanetti se concentram sobre o aspecto perverso do trabalho no corte da cana de açúcar, sobretudo para a produção de etanol. Anualmente, 350 mil trabalhadores, sobretudo jovens, deixam suas cidades e suas famílias no Nordeste para cortar cana no interior de São Paulo. A platéia reage às condições desumanas de trabalho mostradas no filme brasileiro. “Parece que estamos voltando à Idade da Pedra. É triste quando a gente se depara com um cenário como este”, resume uma jovem no público.
Segundo Novaes, na safra de 2008, um trabalhador precisava cortar 10 toneladas de cana por dia. Cada tonelada lhe rende dois reais. O salário mensal fica entre 450 e 600 reais, de maneira que, muitas vezes, ele não consegue cumprir as expectativas de ganho das famílias que ficaram no Nordeste. “Queremos combater a migração por necessidade”, diz Novaes, que distribuiu cinco cópias do filme para o público como ainda incentivou que fossem feitas novas cópias para o assunto continuar em discussão. “Essa é uma pirataria do bem”.
De olho nos problemas enfrentados pelos brasileiros que buscam melhores oportunidades em outros países, como desemprego e aumento da xenofobia, Mary traz de volta o tema . “O medo do diferente, da cultura de quem tem outros hábitos, isso nos impede de ver pontos positivos na pessoa que migra. Ela desestabiliza nossas certezas, pois sufocamos este aventureiro com nossa imobilidade. No fundo, o imigrante é aquele que ousa sair e buscar algo melhor, e isso nos assusta”, considera Mary.
Não havia muita gente na sessão quando a história de 5-7 rue Corbeau começa a ser exibida. Aos poucos, as pessoas vão chegando e contam que uma manifestação deixou o trânsito parado por mais de meia hora, provocando engarrafamento para todo lado de Salvador. Embora acanhado, o público participa com atenção do bate-papo com o diretor Thomas Pendzel.
Segunda sessão, Moro na Tiradentes. Ao mesmo tempo que o público via o filme de Henri Gervaiseau e Cláudia Mesquita, Pendzel dava um depoimento para um documentário feito por Marina Torreões e Manuela Iglesias. A filmagem é feita no teatro de arena do SESC Pelourinho e toma quase uma hora de trabalho. Em pauta, como fazer um documentário na França, onde as diretoras filmaram até o mês passado.
Após uma longa temporada de chuvas, Salvador acolheu a mostra Social em Movimentos 2009 – França em foco com um belo dia de sol. O teatro do SESC Pelourinho impressiona pelo tamanho, pela qualidade das instalações e pela simpatia de toda a equipe, como também aconteceu em Brasília. Nota 10 para o engajamento de todos.
A notícia do desaparecimento do avião da Air France que fazia a rota Rio-Paris pega a todos de surpresa. Consternados com a tragédia, decidimos manter a abertura do evento com algumas palavras em homenagem às vítimas. Logo La zone – au pays des chiffoniers e L’amour existe ganham as telas e os corações da platéia. A noite termina com um pequeno coquetel, marcando a chegada do SEM a Salvador.
19h – La zone, au pays des chiffonniers (A zona, no país dos catadores), de Georges Lacombe – França, 1928, mudo, preto e branco 36 min
Um apaixonante ensaio sob forma de crítica social sobre o trabalho e o cotidiano dos catadores. A recuperação de lixo e o mercado de pulgas de Clignancourt são particularmente impressionantes.
L’amour existe (O amor existe), de Maurice Pialat – França, 1960, 19 min, legendas em português, preto e branco
Aubervilliers, Pantin, Courbevoie, Nanterre… Uma viagem pelos subúrbios parisienses no fim dos anos 50. A degradação da paisagem, o fracasso e a devastação provocados pela urbanização, a condição de vida dos trabalhadores e dos imigrantes a dois passos da avenida Champs-Elysées. Um belo filme poético, político e desconhecido do grande diretor francês Maurice Pialat.
19h – 5-7 rue Corbeau, de Thomas Pendzel, co-produção do Forum des Images – França, 2007,59 min, legendadas em português, livre
Visto do exterior, o número 5-7 da rua Corbeau parecia um edifício como os outros. Cento e sessenta e oito apartamentos habitados por vagas sucessivas de imigrantes recém-chegados a Paris: primeiro, franceses vindos da província, a que se seguiram belgas, italianos, judeus da Europa de leste, portugueses, magrebinos, senegaleses… Em 1998, o edifício atingiu um perigoso estado de degradação e acabou por ser demolido. Neste documentário brilhante, uma rigorosa investigação sobre um microcosmos permite reconstituir a história social de uma cidade e de um país ao longo de todo um século.
20h – Encontro com o diretor Thomas Pendzel
20h30 – Moro na Tiradentes (Brasil, 2007, 54 min), de Henri Gervaiseau e Claudia Mesquita
“Moro na Tiradentes” explora diferentes formas de aproximação da experiência de morar em um dos maiores conjuntos habitacionais brasileiros, situado no extremo leste do município de São Paulo, no bairro chamado Cidade Tiradentes Um mergulho no bairro paulistano de Cidade Tiradentes, para além de estigmas de desamparo e violência.
19h – La traversée (A travessia), de Elisabeth Leuvrey – França, 2006, 55 min, legendas em português
Todo verão o navio Ilha da Beleza leva da Argélia a Marselha os turistas que voltam das férias e outros que vão à França pela primeira vez. Durante a travessia, os passageiros mostram uma outra visão da imigração, do sentimento de pertencimento a uma sociedade e do futuro. Festival “Cinéma du Réel”, Paris, França, 2006 • Menção especial – Prêmio do Patrimônio.
20h – Migrantes (Brasil, 2007, 45 min) de Beto Novaes, Francisco Alves e Cleisson Vidal
O documentário retrata os obstáculos que os trabalhadores que migram do Nordeste para o interior de São Paulo enfrentam no corte da cana-de-açúcar. A ruptura com a família, condições precárias de vida, excesso de trabalho e falta de assistência à saúde são alguns dos problemas abordados.
20h45 – Debate sobre imigração/migração
19h – À côté (Do lado), de Stéphane Mercurio, co-produção do Forum des Images – França, 2008, 90 min, legendas em português
Ao lado da prisão masculina, em Rennes, existe um local para acolher a família dos prisioneiros, como acontece ao lado de quase todas as prisões francesas. É para lá que se vai antes e depois de todos os encontros com os presos. Todas as semanas, três vezes por semana. É lá que se espera. É preciso chegar com antecedência sempre, porque qualquer segundo de atraso significa encontrar a porta fechada. As regras da prisão invadem esse local onde tudo é exagerado: as frustrações, a cólera, a esperança, os desejos, o medo, a paixão. Ao optar em ficar “ao lado”, o filme propõe uma aproximação chocante da realidade carcerária.
20h30 – Do lado de fora (Brasil, 2005, 34 min), de Paula Zanettini e Monica Marques
Muros intransponíveis as separam de seus maridos, companheiros, filhos ou irmãos. “Do lado de fora” mostra os obstáculos enfrentados por algumas das 50 mil mulheres que visitam os parentes presos no Estado do Rio. As horas de espera, as revistas, o sentimento de humilhação a que são submetidas por alguns momentos com os entes queridos. “Do lado de fora” foi o primeiro projeto selecionado pelo programa DOCTV do Ministério da Cultura do Brasil em parceria com a Rede de televisões públicas, que tem por objetivo fomentar a produção de documentários no país.
21h – Debate sobre Justiça
16h – On n’est pas des marques de vélo (Carta fora do baralho), de Jean-Pierre Thorn, co-produção do Forum des Images – França, 2004, 90 min, legendas em português
O dançarino de break, Ahmed M’Hemdi, mais conhecido pelo apelido de Bouda, passou quatro anos preso. Uma vez paga sua dívida com a sociedade, ele se vê condenado a retornar à Tunísia, de onde ele não conhece nem a língua. Um destino ao mesmo tempo individual e coletivo, sua história resume a trajetória de uma geração de moradores dos subúrbios de Paris, onde nasceu o movimento hip hop no início dos anos 80.
18h – Entre a luz e a sombra (Brasil, 2007, 152 min), de Luciana Burlamaqui
O documentário investiga a violência e a natureza humana a partir da história de uma atriz que dedica sua vida para humanizar o sistema carcerário, da dupla de rap 509-E formada dentro do Carandiru e de um juiz que acredita em um meio de ressocialização mais digno para aqueles que entraram na vida do crime. Durante sete anos, a partir do ano 2000, o documentário acompanha a vida destes personagens. Prêmio do Público de Melhor Documentário do 17º Festival de Cinemas e Culturas da América Latina de Biarritz (França) Outubro 2008. Menção Especial do Júri do 17º Festival de Cinemas e Culturas da América Latina de Biarritz (França) Outubro 2008.
Da França:
Thomas Pendzel, diretor de 5-7 rue Corbeau
Hugues de Suremain, estudou direito em Paris. Desde 1988 ele trabalha na seção francesa do Observatório Internacional de Prisões (OIP) como animador do grupo local de observação da casa de detenção de Yvelines, antes de ser responsável pelas pesquisas e responsável jurídico, posto que ocupa atualmente. Nessa qualidade, é responsável por representar a associação em ações contenciosas perante as jurisdições internas e européias.
Do Brasil:
Beto Novaes, diretor de Migrantes
Paula Zanettini, diretora de Do lado de fora
Iris Dourado, Secretaria de Direitos Humanos do Estado da Bahia
Milton Júlio, Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, com tese denominada “Do Cárcere a Rua – Estudo sobre homens que saem das prisões brasileiras“. Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia. Diretor do Instituto de Inclusões
Mary Castro, professora, doutora e pesquisadora associada da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora associada da Universidade Estadual de Campinas/Centro de Estudos de Migrações Internacionais
José Carlos Zanetti, assessor de projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE
Goli Guerreiro, pós-doutoranda em antropologia cultural na Universidade Federal da Bahia, onde faz pesquisa sobre culturas negras no mundo atlântico e desenvolve a idéia original de “terceira diáspora” – deslocamento de signos negros provocado pelo circuito de comunicação tecnológico/digital. Viajante e fotógrafa amadora, registra cenas do cotidiano em cidades negras das Américas do Norte e do Sul, Caribe, Europa e África, sobre as quais escreve e realiza oficinas audiovisuais.
Goli Guerreiro é pós-doutoranda em antropologia cultural na Universidade Federal da Bahia, onde faz pesquisa sobre culturas negras no mundo atlântico e desenvolve a idéia original de “terceira diáspora” – deslocamento de signos negros provocado pelo circuito de comunicação tecnológico/digital. Viajante e fotógrafa amadora, registra cenas do cotidiano em cidades negras das Américas do Norte e do Sul, Caribe, Europa e África, sobre as quais escreve e realiza oficinas audiovisuais.
Doutora em antropologia e baiana de Salvador é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Dedica-se à pesquisa em antropologia urbana desde 1987, quando ingressou no Programa de Pós–Graduação da FFLCH na Universidade de São Paulo e pesquisou a juventude identificada com o rock produzido no Brasil. A dissertação virou o livro Retratos de uma tribo urbana – rock brasileiro, lançado pela Edufba, em 1994.
O doutorado, também realizado na USP, que incluiu uma bolsa sanduíche na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales – França, foi a base para o seu segundo livro A Trama dos tambores – a música afro-pop de Salvador, lançado em 2000 pela Editora 34. A autora fundou e coordenou por 4 anos o programa Humanidades nas Faculdades Jorge Amado, pioneiro no cenário acadêmico baiano em cursos de graduação e pós-graduação. Assina capítulos de coletâneas e diversos artigos publicados em revistas e sites nacionais e estrangeiros. Participa com regularidade de Congressos, Seminários e Fóruns nacionais e internacionais na área da cultura. Para informações completas ver curriculum lattes.