O dia de encerramento começou cedo. Ainda pela manhã, Thomas Pendzel e Patrick Marest quiseram conhecer de perto o eixo monumental e toda a grandiosidade dos projetos de Oscar Niemeyer, como a Catedral de Brasília e o Museu Nacional.
A tarde começa com a exibição de On n’est pas des marques de vélo, de Jean-Pierre Thorn, sob a dupla pena a que são condenados diversos estrangeiros e imigrantes ilegais que são detidos em território francês. Isso significa que, após cumprirem a sentença judicial, eles são devolvidos para os países de origem, mesmo tendo entrado na França ainda bebês, como o dançarino Bouda.
A história do grupo 507 E, formado no Carandiru pelos rappers Dexter e Afro-X, ganha as telas em seguida e deixa o público vidrado por duas horas e meia. O filme de Luciana Burlamaqui ainda apresenta a atriz Sophia Bisilliat, que trabalhou durante 20 anos na casa de detenção descobrindo e incentivando talentos. Após a sessão, Luciana detalhou como foram as filmagens, os encontros com os rappers e o crescimento do projeto, cujas filmagens levaram sete anos. O próximo passo é preparar o lançamento do documentário no circuito nacional.
A história do prédio que ficava no 5-7 rue Corbeau reconstruída a partir da memória de seus antigos habitantes deu início à noite Uma cidade, várias histórias. Histórias de infância, lembranças das dificuldades de se morar num local com pouco espaço e sem água, cujas condições se detoriaram de tal maneira até chegar a um sem retorno: a demolição. Após a sessão, o diretor Thomas Pendzel conversou com o público sobre o processo de filmagem, de pesquisa e de entrevistas que o permitiu reconstruir o prédio.
Moro na Tiradentes também conta com depoimentos de famílias que habitam na Cidade Tiradentes, subúrbio da capital paulista, considerado por muitos um local degradado e violento. Através das lentes de Henri Gervaiseau e Cláudia Mesquita, o público conheceu a história de diversas pessoas, a maior parte mulheres, que enfrentam os desafios de criarem os filhos num lugar distante, sem áreas de lazer e visto com desconfiança.
A luta dessas mulheres, também vista em 5-7 rue Corbeau, dominou a conversa entre Henri Gervaiseau e o público, ainda emocionado pelas histórias e pelos depoimentos do documentário. Tocada com o que havia acabado de ver, a empregada doméstica Regina Xavier narrou sua trajetória, semelhante a tantas outras filmadas pelos diretores. A sessão chegou ao fim com o público refletindo sobre ocupação urbana, direito à moradia e preconceito.
A quinta-feira começa cheia de programação extra para Patrick Marest, que se reuniu com autoridades para conversar sobre o sistema carcerário brasileiro e o francês. De manhã, o encontro foi no Palácio da Justiça. Pela tarde, numa visita à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, onde foi recebido pelos deputados Domingos Dutra e Luiz Couto.
No SESC, uma platéia pequena acompanhou atentamente o drama das famílias brasileiras e francesas que visitam amigos e parentes que estão nas prisões. A semelhança entre os depoimentos vistos em Ao lado e Do lado fora reforça os dramas pessoais provocados pelo sistema carcerário dos dois países. “Passamos por duas horas impactantes e, apesar da diferença entre os dois países, ouvimos frases exatamente iguais, o que nos levanta muitas questões”, disse a jornalista Vânia Alves, que atua nos veículos de comunicação da Câmara dos Deputados, dando início ao debate.
A defesa do preso como ser humano, cidadão e pessoa de direito usuária de um serviço público: esse é um dos objetivos do Observatório Internacional de Prisões (OIP), representado pelo delegado geral da seção francesa Patrick Marest. “Trabalhamos pelo direito à dignidade da pessoa detida, que é um direito inalienável”, afirmou.
O público ainda pode ver as condições degradantes das prisões e penitenciárias brasileiras com a exibição do trecho de O grito das prisões, produção da TV Câmara. “O Brasil prende mal e cuida mal de quem está preso”, resumiu Fernando Mattos, coordenador geral do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Para ele, a pena de prisão é um mal necessário que deverá ser cada vez menos usada. A saída está nas penas alternativas.
A noite de quarta-feira foi uma surpresa. No início da primeira sessão, havia poucas pessoas na sala. Logo a apreensão foi sendo superada, com a chegada do público, que aos poucos se juntou aos participantes do debate para acompanhar a história de imigrantes que saem do norte da África em busca de melhores condições de vida na França, como mostra La traversée.
Com o fim da primeira sessão, logo vêm as dúvidas: como será a seguinte? Terá mais público? Eles vão gostar do filme? De repente, a sala do Cine Teatro SESC Presidente Dutra fica cheia. Alunos e professores do curso de alfabetização de jovens e adultos e supletivo do SESC tomaram seus lugares e se emocionaram com a trajetória dos trabalhadores nordestinos que vão trabalhar como cortadores de cana em São Paulo. Durante os filmes, comentários e lágrimas de parte da platéia.
O debate começou com a participação de Orlando Fantazzini, consultor do Instituto Migrações e Direitos Humanos professora Dacia Ibiapina, coordenadora do departamento de audiovisual da
Universidade de Brasilia, Patricia Rangel, doutoranda em Cências Politicas, que foi repatriada da Espanha, e Adriana Telles Ribeiro, assessora do departamento consular e de comunidades brasileiras no exterior do Ministério das Relações Exteriores.
“O mundo está dividido entre turistas e vagabundos”, explicou Patrícia, usando as categorias criadas por Zygmunt Bauman. Para os turistas, ou aqueles que têm condições de interagir com o mundo do capital, todas as fronteiras estão abertas, enquanto os vagabundos não contam com a mesma mobilidade. Patrícia foi repatriada após passar 50 horas no aeroporto de Madri, tendo sua entrada recusada na União Européia sem motivos objetivos, experiência que ela vai relatar com detalhes num livro que será editado ainda em 2009.
Para ela, os países cada vez mais impõem barreiras para impedir a livre circulação de pessoas, sobretudo aquelas que vão para países desenvolvidos. Adriana Telles Ribeiro, assessora do departamento consular e de comunidades brasileiras no exterior do Ministério das Relações Exteriores, relata que histórias como a de Patrícia se torna uma experiência cada vez mais comum a outros brasileiros que tentam ir para o exterior, o que pode indicar a adoção de uma política de Estado para criar barreiras para estrangeiros. Para Fantazzini, os motivos para isso são principalmente econômicos.
Atenta à emoção da platéia, professora Dácia falou das dificuldades que os nordestinos vivem, do problemas provocados pelos grandes latifúndios, pela falta de acesso à terra, condições que os forçam a buscar melhores condições de vida, mesmo que isso signifique o trabalho no corte da cana-de-açúcar. O gancho foi aproveitado pelos professores, que, emocionados, compararam os desafios que os alunos enfrentam no dia-a-dia às dificuldades dos retirantes. E um aluno arrematou o debate contando o que sente quando volta para o Piauí para visitar seus parentes.
Em Brasília só se fala no início da temporada de seca. Muito calor e sol forte durante o dia, queda de temperatura à noite. A chegada na segunda-feira deu início a uma maratona para deixar tudo pronto para a sessão de abertura.
O Cine Teatro SESC Presidente Dutra impressiona pela beleza e pelos recursos. São 176 lugares que serão usados pela primeira vez pelo público da mostra Social em Movimentos 2009 – França em foco.
Com apoio do Gil e do Edson, da equipe do SESC-DF, todos os testes foram feitos. Filmes em ordem, garantimos a qualidade das projeções. Hora de voltar ao aeroporto para buscar o convidado Patrick Marest, delegado geral do Observatório Internacional de Prisões (OIP), vindo direto de Paris.
Uma passada no hotel para deixar a bagagem, seguimos para a Rádio Nacional, onde Marest e Tatiana Milanez, da Autres Brésils, deram uma entrevista ao vivo sobre a mostra, no programa de Giovani Mota. Bravo!
A noite tinha começado quando conseguimos chegar à Embaixada da França, para uma reunião com Chantal Haage, conselheira cultural adjunta da embaixada. Já passava das 20h quando os compromissos terminaram, momento ideal para conhecer o Beirute, bar que é quase uma insitituição brasiliense, colocando fim numa maratona que começou às 5h30.