Como surgiu a idéia de Moro na Tiradentes ?
A partir de uma pesquisa antropológica desenvolvida no local pelo antropólogo Tiaraju d´Andréia.
O nosso documentário é uma produção do núcleo audiovisual do Centro de Estudos da Metrópole (ou CEM-Audiovisual), cuja proposta é de produzir documentários capazes de, a partir do diálogo com os pesquisadores do Centro, conceber a melhor forma de retomar o caminho de uma pesquisa feita sobre certo tema em outra linguagem e forma de comunicação, compondo um discurso em parte apoiado nos resultados produzidos, em parte autônomo e, ele mesmo, capaz de gerar dados novos e de oferecer outros ângulos de percepção da experiência não revelados pelos indicadores sociais ou pela pesquisa acadêmica.
Moro na Tiradentes explora diferentes formas de abordagem da experiência de morar em um dos maiores conjuntos habitacionais brasileiros, situado em Cidade Tiradentes, um sub-distrito pobre e segregado no extremo leste da cidade de São Paulo.
Como nossas outras produções, essa também tem caráter de pesquisa de linguagem e de busca de diálogo original com as pesquisas do CEM -de cunho antropológico e sociológico-, em curso na região. Cabe ressaltar que neste caso, a realização do filme interagiu de forma mais direta, do que nas experiências anteriores, com o próprio andamento da pesquisa de Tiarajú Pablo d´Andrea
Esse é o primeiro filme de uma trilogia que preparamos sobre Cidade Tiradentes tendo como foco central à experiência da moradia, cada qual com um ângulo de percepção distinto face à experiência social em pauta. O segundo, já em produção, explora diferentes formas da experiência de se preparar para morar em Cidade Tiradentes. Experiência vivida pelos integrantes do mutirão autogerido Paulo Freire, que está finalizando a construção de um prédio no bairro, onde 100 famílias de mutirantes irão morar, entre o final de 2008 e o final de 2009. O terceiro explora diferentes formas da experiência de morar em favelas e invasões em Cidade Tiradentes, ou seja, na maior parte das vezes, em loteamentos irregulares e ilegais.
Pareceu-me fundamental poder aprofundar a exploração de um único território no curso de um período de tempo extenso, não apenas para propiciar uma maior aproximação dos personagens e dos seus contextos de vida, mas ainda, sempre que possível, para poder observar a evolução das suas trajetórias existenciais, em diferentes momentos a serem registrados.
A escolha de Cidade Tiradentes foi determinada, em ultima instância, por um interesse em aproximar-se de uma experiência urbana diferenciada no quadro das metrópoles brasileiras, no entendimento comum do que seja viver na periferia. Se excetuarmos o campo acadêmico, particularmente paulista, em que a heterogeneidade das situações de pobreza tem sido, de modo recorrente, objeto de estudos e debate, associa-se ainda, de modo freqüente, no Brasil, pobreza às favelas.
Neste contexto, o bairro de Cidade Tiradentes configura, como bem salientou Gilberto Stam, ao mesmo tempo uma exceção e um enigma. Exceção porque é um bairro quase que totalmente planejado, no inicio, pelo poder publico; e enigma porque é uma das áreas menos conhecidas de São Paulo, apesar do estigma que, erroneamente, a caracteriza como uma das mais violentas da periferia. Este bairro foi planejado, no final dos anos 70, para abrigar um dos maiores complexos habitacionais da América Latina, quando este modelo de cidade dormitório sem infra-estrutura urbana adequada, já havia sido condenado internacionalmente. Cidade Tiradentes atraiu, a partir da década de 80, milhares de pessoas que, atrás do sonho da casa própria, aceitaram se mudar para uma área distante do município de São Paulo, situada a trinta e cinco quilômetros do centro da cidade.
A questão da moradia foi escolhida como tema central dessa série de documentários por um conjunto de razões. Como a própria criação do bairro pelo poder público correspondeu a uma tentativa de resposta – resposta limitada pelas circunstâncias, ideologias, modelos em voga etc. – ao déficit de moradia na cidade de São Paulo, sabíamos de saída que este aspecto seria central. Era também um dos aspectos fundamentais da pesquisa do Tiaraju d´Andréia, de modo que – desde os relatórios do pesquisador – nos acercamos desta temática quase naturalmente. As diferentes modalidades do “morar” na Cidade Tiradentes (em conjuntos habitacionais, ocupações/favelas ou conjuntos erguidos em mutirões), que configuram experiências distintas de vivência naquele espaço socialmente construído, pareceram, a medida em que a pesquisa se desenvolveu, uma via adequada para a divisão do documentário numa série em episódios.
Como foi sua relação com os entrevistados? Havia desconfiança no início, a aproximação foi difícil?
Foi boa, na medida em que dispúnhamos do apoio, na pesquisa de personagens, de diversas pessoas com longa experiência de vida ou de contato na região.
Vocês acompanham o que aconteceu com as pessoas retratadas? Ainda tem contato com alguma?
Acompanhamos, o próprio documentário mostra isso. Temos contatos com algumas.
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